Manifesto assinado por entidades de 21 países alerta para os riscos de iniciativas governamentais de desmonte do Marco Civil da Internet e do CGI.br

Entidades nacionais que atuam no campo da democratização do acesso à internet e na proteção dos direitos dos usuários articularam importante apoio internacional contra os retrocessos que ameaçam o setor no país durante o 11º Fórum de Governança da Internet (IGF): o "Manifesto de Guadalajara pelos Direitos e Governança da Internet no Brasil". O documento, assinado por mais de 40 entidades internacionais, critica propostas do governo que alteram o Marco Civil da Internet (MCI) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), alentando que “a Internet aberta como a conhecemos está agora em risco”
Organizado pela ONU no início deste mês, no México, o evento reuniu 83 países. O público participante do IGF é formado por representantes da sociedade civil, governo, empresas, setor técnico e academia. Bia Barbosa, secretária-geral do FNDC e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, explica que a preocupação da comunidade internacional é um indicativo da gravidade das iniciativas em curso no legislativo brasileiro. “Limitação do acesso à internet, projetos de lei que tentam promover vigilância em massa, que violam a privacidade dos usuários e a liberdade de expressão e iniciativas de modificação do Marco Civil da Internet e do Comitê Gestor da Internet preocupam a comunidade internacional porque o Brasil se tornou referência internacional na agenda de governança da internet, principalmente após a aprovação do Marco Civil e com as experiências de funcionamento bem-sucedidas do CGI.br”, ressalta.
Especificamente com relação ao CGI.br, o manifesto critica a possibilidade de revisão da representatividade e participação da sociedade no espaço. Criado em 1995, o CGI.br tem entre suas atribuições regular atividades na internet, estabelecer diretrizes para o desenvolvimento da rede e registrar todos os sites brasileiros. O comitê é formado por 21 membros, dos quais nove são indicados pelo governo. O restante das vagas é igualmente ocupado por associações da sociedade civil, comunidade científica e representantes de empresas ligadas à internet. As telas têm apenas um representante no comitê, mas têm investido numa maior participação, com aceno positivo de representantes do governo.
Bia, que participou do IGF junto com a coordenadora geral do FNDC, Renata Mielli, também afirma que as ameaças em curso no Brasil não são exclusivamente nacionais. “Infelizmente, o Brasil não está isolado ao promover alterações legais que autorizam vigilância em massa na rede e que deixam nas mãos do mercado o acesso à internet para a população. Propostas que restringem a liberdade de expressão e a construção de mecanismos que violam a liberdade nas redes são desafios que outros países enfrentam também. Por isso foi importante levarmos essa denúncia ao IGF, compartilhando nossa experiência e fortalecendo os laços de solidariedade internacional”, acredita.
Leia o manifesto na íntegra.
Manifesto de Guadalajara pelos Direitos e Governança da Internet no Brasil
Nós, representantes de organizações da sociedade civil de todo o mundo presentes no 11º Fórum de Governança da Internet em Guadalajara, México, nos unimos para expressar nossa preocupação com as mudanças de políticas relacionadas ao acesso, governança e uso da Internet que têm ocorrido no Brasil este ano.
Desde a primeira Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI/WSIS), em 2003, os defensores dos direitos digitais brasileiros têm participado ativamente do debate sobre governança da Internet, pressionando por mais participação e proteção dos direitos humanos no ambiente digital. O Brasil é o único país que acolheu duas edições do IGF (2007 e 2015), mostrando seu apoio à discussão aberta e multissetorial. É lamentável que, no IGF de 2016, a participação do governo brasileiro seja bastante restrita. O país que tem sido um exemplo está agora em risco de enfraquecer suas mais valiosas instituições dedicadas à governança da Internet: o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e a lei inovadora aprovada em 2014, o Marco Civil da Internet, ou MCI.
O MCI foi resultado de um longo e democrático processo participativo que teve como objetivo a criação de direitos fundamentais para o uso da Internet. A lei centrou-se na democratização do acesso à Internet, neutralidade da rede, liberdade de expressão, proteção dos dados pessoais e da privacidade. Baseou-se nos 10 Princípios para a Governança e Uso da Internet, promulgados pelo CGI.br em 2009, em um contexto de governança multissetorial.
Devido às recentes mudanças políticas no país, a Internet aberta como a conhecemos está agora em risco. O atual governo, em uma transição de poder questionável, tem sido refratário ao debate democrático, apoiando um corpo conservador de representantes do Congresso que procura agir contra o que o MCI garante em termos de proteção dos direitos fundamentais na Internet. Agora o Congresso está prestes a aprovar uma lei que representará um sério revés nas políticas de telecomunicações e resultará na perda da soberania do Estado sobre as redes de telecomunicações, comprometendo o propósito estabelecido pelo MCI de acesso universal e inclusão digital.
Além disso, o governo federal anunciou que não desenvolverá políticas de acesso à Internet de banda larga e que “o mercado deve promover a expansão por conta própria”. Esse novo paradigma de governança vai contra o atual quadro legal e regulatório do país, que reconhece o papel fundamental do Estado na universalização e democratização do acesso e do conhecimento.
Neste contexto, o governo, em conjunto com a Agência Nacional de Telecomunicações, tem sido permissivo em relação a práticas comerciais discriminatórias, como permitir novos planos com limites de dados, bem como acordos anticoncorrenciais entre grandes provedores de acesso e grandes plataformas de serviços online.
Desde 2015, foram apresentadas mais de duzentas propostas de alterações ao MCI. Muitas delas enfraquecem princípios e direitos fundamentais como a neutralidade da rede, a não responsabilização dos intermediários no provimento de serviços de rede, a proteção de dados pessoais, a privacidade e a liberdade de expressão. Empurrando estas emendas propostas à lei são lobistas de forças políticas conservadoras e autoritárias assim como indústrias cujos interesses privados conflitam com o interesse público.
Agora, em 2016, assistimos a ações políticas do Poder Executivo que ameaçam a governança multissetorial da Internet, mais especificamente o CGI.br. Os representantes do governo declararam abertamente que pretendem rever a representatividade e participação da sociedade civil na comissão.
Vimos também decisões judiciais que determinam a remoção de aplicativos como o WhatsApp, quando a empresa é incapaz de fornecer dados e conteúdo sobre as pessoas investigadas pela polícia ou autoridades de investigação devido ao uso de criptografia. Várias ações judiciais relacionadas a tais derrubadas estão agora pendentes perante o Supremo Tribunal Federal.
Estamos cientes de que a premiada coalizão brasileira chamada “Direitos na Rede” está lutando contra todas essas políticas, legais e regulatórias, e as mudanças que ameaçam os direitos civis. Desejamos conscientizar o mundo sobre estes retrocessos e declarar nosso apoio à Coalizão Direitos na Rede.
Também solicitamos ao governo brasileiro que tome medidas imediatas contra essas tentativas de limitar os direitos e princípios da Internet. Exortamos o governo brasileiro a promover, em vez disso, um ecossistema de Internet vibrante, onde a inclusão digital, os direitos humanos e a governabilidade democrática estejam entre suas mais altas prioridades.
Guadalajara, 5 de dezembro de 2016.
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