Durante o 3ENDC, painelistas discutiram a questão racial dentro do debate sobre a democratização da mídia, ressaltando a importância das mídias alternativas para a questão

"Sem a democracia racial não existe a democracia plena”, ressaltou Jacira Silva, coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU), a respeito da importância da pauta racial para a democracia durante o painel “A mídia e a luta contra o racismo”, parte da programação do 3º Encontro Nacional Pelo Direito à Comunicação (3ENDC). Além dela, Joelzito Araújo, cineasta, pesquisador e escritor, e Nilza Iraci, do Instituto Geledés, compuseram o painel temático no sábado (27/5). Durante o debate, mediado pela jornalista Ana Cláudia Mielke, os convidados abordaram o tema da representação midiática dos negros e negras no Brasil e enfatizaram a necessidade de se pautar as questões raciais dentro do movimento pela democratização da comunicação, além de tecerem críticas sobre a organização do evento.
Assim como Jacira, os outros painelistas também trouxeram reflexões sobre a necessidade de se efetuar um debate racial dentro dos movimentos sociais, incluindo a luta pela democratização da mídia. Para Nilza Iraci, “é impossível debater a democratização da mídia sem discutir os povos que são excluídos dessa luta”. Isso porque as minorias sociais, que incluem a população negra, são os principais grupos afetados pelos oligopólios midiáticos.

Joelzito Araújo constatou, por exemplo, que em um terço das telenovelas brasileiras feitas em três décadas não há a presença de personagens negros, embora o povo brasileiro seja constituído em sua maioria por pessoas não-brancas. Já nos outros dois terços eles aparecem na narrativa apenas para servir os personagens brancos enquanto empregadas domésticas, jardineiros ou motoristas, reforçando o estereótipo escravocrata de que o negro deve sempre estar em posição de servidão e inferioridade. Além disso, os grandes veículos de jornalismo apresentam narrativas racistas que estigmatizam as pessoas negras como marginais e invisibiliza problemas como o extermínio da juventude negra, para vender a ideia do Brasil como um país miscigenado onde não existe racismo. “A mídia desracializa os problemas da favela. Para a mídia, as pessoas que morrem não têm raça, ela evita a consciência do drama racial brasileiro”, pontuou o cineasta.
Como alternativa a essas narrativas hegemônicas surgem produtos diversos, principalmente ligados ao entretenimento, nos quais as questões raciais estão mais presentes e a negritude é melhor representada. Nesse contexto, a internet serve como um poderoso meio para a disseminação da comunicação alternativa. O site Netflix, por exemplo, foi citado por Joelzito Araújo como um importante veículo que busca quebrar os paradigmas de representação midiática das pessoas negras através de produções como o seriado “Dear White People”. A obra trata da militância antirracista e apresenta personagens negros complexos. As redes sociais e os blogs independentes também são citados como importantes ferramentas que são utilizadas para dar voz à população negra.
Especificamente sobre a organização do evento, Joelzito Araújo ressaltou a importância da inclusão de pessoas brancas nessa discussão. Para ele, é preciso estimular o debate sobre branquitude e seus privilégios. Kelly Quirino, mulher negra participante do evento, também fez intervenção nesse sentido, para ela, é preciso que o movimento social também inclua negros e negras em debates além da questão racial.
Umas conclusões do painel foi a de que é preciso combater a mídia hegemônica, que continua a disseminar estereótipos racistas, ao mesmo tempo em que é necessário criar e fortalecer mídias independentes. Por isso mesmo, a questão racial é uma parte essencial do debate mais amplo sobre a democratização da mídia e o fim dos oligopólios midiáticos no Brasil. Como ressaltou Nilza Iraci, "temos que construir estratégias para uma mudança de paradigma, pois não podemos esperar que a Globo, SBT, Record ou qualquer outra empresa dessas paute a questão racial".
3ENDC
O 3ENDC, promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, foi realizado com apoio da Universidade de Brasília, durante os dias 26, 27 e 28, no campus Darcy Ribeiro. O evento reuniu mais de 250 participantes cadastrados, teve duas conferências e 12 painéis temáticos. Ao final, foi realizada a 20ª Plenária Nacional do FNDC, que aprovou a Carta de Brasília.

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Edição: Elizângela Araújo